quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Formigário



“Rema não gostava de espiá-los, às vezes passava na frente dos quartos e os via com o formigário ao lado da janela, apaixonados e importantes. Nino era especial para apontar rapidamente as novas galerias, e Isabel ampliava o mapa desenhado a tinta numa página dupla. Por conselho de Luis decidiram só aceitar formigas pretas, e o formigário já era enorme, as formigas pareciam furiosas e trabalhavam até de noite, cavando e removendo com mil ordens e evoluções, um alarmado esfregar de antenas e patas, repentinos ataques de furor ou veemência, concentrações e debandadas sem causa visível. Isabel não sabia mais o que anotar, pouco a pouco deixou de lado a caderneta e os dois passavam horas e horas estudando e esquecendo os descobrimentos. Nino já começava a querer voltar para o jardim, falava dos balanços e dos petiços. Isabel o desprezava um pouco. O formigário valia mais que Los Horneros inteiro, e ela adorava pensar que as formigas iam e vinham sem medo de nenhum tigre, às vezes gostava de imaginar um tigrinho do tamanho de uma borracha de apagar, rondando as galerias do formigário; quem sabe ele era a causa das debandadas, das concentrações. E gostava de repetir o mundo grande no de vidro, agora que se sentia presa (...)”



(do conto Bestiário, contido no livro de mesmo nome, Júlio Cortázar, 1951)