sexta-feira, 6 de julho de 2018

Nos escritórios não há amigos


Edward Hopper, Noite no escritório


“Nos escritórios não há amigos; há pessoas que se veem todos os dias, que se exasperam juntas ou de forma isolada, que fazem piadas e as celebram, que trocam suas queixas e transmitem seus rancores, que falam mal da Diretoria como um todo e adulam cada diretor em particular. A isso se chama convivência, mas só por ilusão a convivência pode chegar a se parecer com a amizade. Em tantos anos de escritório, confesso que Avellaneda é meu primeiro afeto verdadeiro. O resto tem a desvantagem da reação não-escolhida, do vínculo imposto pelas circunstâncias. Que tenho em comum com Muñoz, Méndez e Robledo? Apesar disso, às vezes damos boas risadas juntos, bebemos algo, tratamos uns aos outros com simpatia. No fundo, cada um é um desconhecido para os outros, porque nesse tipo de relação superficial se fala de muitas coisas, mas nunca das vitais, nunca das verdadeiramente importantes e decisivas. Creio que é o trabalho que impede outro tipo de confiança; o trabalho, essa espécie constante de martelar, ou de morfina, ou de gás tóxico. Algumas vezes, um deles (especialmente Muñoz) se aproximou para iniciar uma conversa comunicativa de verdade. Começou a falar, a delinear com franqueza seu autorretrato, a sintetizar os termos de seu drama, desse drama módico, parado, desconcertante que envenena a vida de cada um, por mais comum que um homem se sinta. Mas sempre há alguém que chama no balcão. Durante meia hora ele tem de explicar a um cliente moroso sobre a inconveniência e as penalidades da mora, discute, grita um pouco, seguramente se sente envilecido. Quando volta à minha mesa, me olha, não diz nada. Faz o esforço muscular correspondente ao do sorriso, mas comissuras se voltam para baixo. Então apanha uma planilha velha, amassa-a com a mão, de uma maneira meticulosa, e depois a atira no cesto de papel. É um simples substitutivo; o que não serve mais, o que ele lança ao cesto, é a confidência. Sim, o trabalho amordaça a confiança. Mas também existe a gozação. Todos somos especialistas na gozação. A disponibilidade de interesse pelo próximo precisa ser gasta de algum modo; caso contrário, ela fica reprimida e aí vem a claustrofobia, a neurastenia, e sei lá o que mais. Já que não temos nem a coragem nem a fraqueza suficientes para nos interessarmos amistosamente pelo próximo (não aquele próximo nebuloso, bíblico, sem face, mas sim o próximo com nome e sobrenome, o próximo mais próximo, o que escreve à escrivaninha aqui em frente e me alcança o cálculo dos juros para que eu o revise e dê o visto), já que renunciamos voluntariamente à amizade, bem, pois então vamos entrar em um clima de gozação com esse vizinho que por oito horas está sempre vulnerável. Além disso, a gozação proporciona uma espécie de solidariedade. Hoje o candidato é este, amanhã aquele, na sequência serei eu. A vítima das chacotas pragueja em silêncio, mas logo se resigna, sabe que isso é apenas parte do jogo, que em um futuro próximo, talvez dentro de uma ou duas horas, poderá escolher a forma de desforra que melhor coincida com sua vocação. Os gozadores, por sua vez, sentem-se solidários, entusiasmados, fulgurantes. Cada vez que um deles acrescenta à gozação um tempero, os outros festejam, trocam sinais, sentem-se excitados pela cumplicidade, só falta se abraçarem aos gritos de urra. E que alívio é dar umas risadas, inclusive quando é preciso conter o riso porque lá no fundo assomou o gerente com sua cara de melancia, que desforra contra a rotina, contra a papelada, contra essa condenação representada por estar oito horas enredado em algo que não tem nenhuma importância, que só faz engordar as contas bancárias desses inúteis que pecam pela simples razão de estarem vivos, de se deixar viver, desses imprestáveis que acreditam em Deus apenas porque ignoram que faz muito tempo que Deus já deixou de acreditar neles. A gozação e o trabalho. No fim das contas, em que se diferenciam? E que trabalho nos dá ser gozadores, que cansaço. E que gozação é esse trabalho, que piada de mau gosto.”


Mario Benedetti, A trégua,
1960, L&PM Pocket.