segunda-feira, 30 de junho de 2014

Tentativa de resenha: Antiga Alegria, de Kelly Reichardt

Thiago,
cada amigo tem um tempo-espaço. Cada um vive seu próprio relógio-calendário. Não se engane, não existe verdade. Às vezes, alguns tempos se encontram em espaços também similares. Mas é encontro fugaz, rápido, passageiro, logo vai. O que se há de fazer depois, quando o que resta são desencontros, é entender a teoria dos tempos-espaços desiguais. Em Antiga Alegria, dois amigos se reencontram depois de um tempo de hiato. O hiato permite respirar, o hiato permite desvencilhar-se, procurar o novo, mudar com o caminhão cheio de caixas vazias. Os amigos fazem um passeio juntos pela floresta. Eles se perdem. Eles se silenciam. Eles se olham pouco, não se reconhecem mais. O silêncio é sinal do descompasso. Pesa, incomoda, desintimidade. É apenas alegria esgotada, um deles pondera, num dos poucos diálogos. Há espera. Há água, floresta. Algo grande pode vir à tona, acontecer, mas espera. Espera no olhar, na boca querendo dizer, mas fechada. Pouco ou nada vai acontecer, no filme e na vida além que ele carrega. É o fim de uma era. 


(do filme Antiga Alegria, de Kelly Reichardt, USA, 2006)

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Tentativa de resenha: “Um quarto em Roma”, de Julio Medem

Anajá,
o que há de comum entre um quarto e o mundo inteiro? O que há de pequeno no mundo, e o que há de grandioso num cômodo? O que é gigante, o que é diminuto? Duas mulheres desconhecidas se encontram em Roma. Quantas pessoas no mundo se encontram pela primeira vez agora? Duas mulheres desconhecidas passam uma noite juntas, descobrindo-se, mentindo uma para a outra, inventando histórias, nomes, inventando verdades, passado e futuro incertos. Duas mulheres transam num quarto de hotel em Roma, porque sexo também é descobrimento. Quantas pessoas no mundo sabem disso?  Um quarto em Roma é um filme sobre escalas. Num zoom poderoso e intenso, ele abandona a perspectiva macro e se aproxima, aos poucos, ao que há de mais íntimo na vida das duas personagens: a nudez, o sexo, a mentira, a verdade. Ao chegar a essa vista, um susto: o que é micro vira macro, o que é quarto vira o mundo inteiro, mundos inteiros, vastidão e mistério. O que cabe dentro de uma mulher? O que acontece quando duas se encontram? O que é o encontro, senão um choque de realidades? Desse choque, pode nascer um universo. Duas mulheres se encontram num quarto em Roma. Nada mais. O resultado disso é cinema e está para além da janela. 


(do filme Um quarto em Roma, diretor Julio Medem, Espanha, 2010)

O cometa passou
Marcou meu corpo
Está escrito
O cometa passou
Riscou o tempo
E foi


(O cometa - Rodrigo Amarante)

domingo, 15 de junho de 2014

Tentativa de resenha: “E a sua mãe também”, Alfonso Cuáron

Brenda,
a gente cresce, a vida caminha desenfreada, deixando os restos para trás, sem dó, sem pausa, avança, avança, e a gente se perde, a gente se desencontra, para depois se reencontrar, para depois se perder outra vez, depressa, espuma, vento, invisível, falta de ar. Assisti a “E a sua mãe também”, filme mexicano de 2001, do diretor Alfonso Cuáron. Ele conta a história de três pessoas – dois adolescentes descobrindo sua sexualidade e uma moça que chora –  três pessoas indo juntas pela estrada em direção a uma praia que pode não existir, imaginada. O ponto de chegada é sempre um novo ponto de partida carregado de mistérios. Após o término, deitei-me na cama e fiquei me contorcendo de dor, porque, como você disse um dia, ‘poesia dói demais, Roberto’. Perdi um amigo em função do tempo e de ter encontrado, um dia, a praia que achávamos que pudesse existir. O encontro me levou a desencontros e a novos lugares. Valerá a pena insistir? Valerá a pena continuar na estrada, tentando? Assista ao filme, depois me conte o que achou. Me senti como se caísse uma pedra muito grande dentro de mim, e do impacto surgissem ondas,  ondas d’agua querendo atingir a margem, sem atingir. 



(do filme E a sua mãe também, de Alfonso Cuáron, México, 2001)

domingo, 8 de junho de 2014

A borboleta

a borboleta está descolada do mundo,
paira
feito nuvem em cima dos prédios, da fumaça
e passa, passa
sua passagem é voo
cor
raça
graça.

será gente a borboleta,
ou uma estrada?


(este poema foi inspirado neste curta, produzido e filmado em Viçosa, com direção de Camila Christian. a atriz é moradora do bairro Carlos Filho, ou Rebenta Rabicho, onde há desigualdade, mas também jardim e esperança)

sábado, 7 de junho de 2014

“Não percebemos. O rio se curva a beber a árvore
e a árvore se curva com a turbulência do rio.
Não percebemos. A terra tem unhas para nos cavar.
Não percebemos. A lâmpada soluça
o burburinho dos insetos.
Não percebemos. O musgo converte
a pedra em pão. Não percebemos.
As uvas ressuscitaram antes dos homens.
Estamos atolados com o que não existe.”

(Carpinejar, em Cinco Marias)