quinta-feira, 25 de maio de 2023

Uma vez eu sonhei que era uma borboleta

 


(Zhuangzi Dreaming of a Butterfly, Ike no Taiga)


"Uma vez eu, Zhuang Zhou, sonhei que era uma borboleta flutuando de um lado para o outro, uma verdadeira borboleta, desfrutando ao máximo de sua plenitude, e não sabendo que era Zhuang Zhou. De repente acordei e me encontrei, o verdadeiro Zhuang Zhou. Agora já não sei se era então um homem que sonhava ser uma borboleta, ou se sou agora uma borboleta que sonha que é homem."


(Zhuang Zhou, 369-286 a.C. 

Trecho extraído do livro "O oráculo da noite", Sidarta Ribeiro, 2019) 

Mundo Inacessível

 

(Mikalojus Konstantinas Ciurlionis, Criação do Mundo II, 1906)


Tua alma lembra um mundo inacessível

Onde só astros e águias vão pairando, 

Onde se escuta, trágica, cantando,

A sinfonia da Amplidão terrível!


Toda a alma que não seja alta e sensível, 

Que asas não tenha para as ir vibrando,

Nessa Região secreta penetrando,

Falece, morre, dum pavor incrível!


É preciso ter asas e ter garras 

Para atingir aos ruídos e fanfarras

Do mundo da tua alma augusta e forte. 


É preciso subir ígneas montanhas 

E emudecer, entre visões estranhas,

Num sentimento mais sutil que a Morte!


(Cruz e Sousa, Últimos Sonetos, 1905)

quinta-feira, 4 de maio de 2023

O mundo invisível

(René Magritte, Le Monde invisible, 1954)


"Mas nosso olho, senhores, é um órgão de tal modo elementar que mal consegue enxergar o que nos é indispensável à existência. Aquilo que é pequeno demais lhe escapa; escapa-lhe o que é muito grande, assim como o que lhe está muito distante. Ele ignora os milhares de animálculos que vivem numa gota d´água. Ele ignora os habitantes, as plantas e o sol das estrelas vizinhas; ele não vê sequer o que é transparente. 

Coloquem diante dele um vidro sem jaça, perfeito, ele não o distinguirá e nos atirará contra o vidro, como um pássaro preso dentro de casa quebra a cabeça contra as vidraças. Ele não enxerga, pois, os corpos sólidos e transparentes que, no entanto, existem; ele não vê o ar de que nos nutrimos, não vê o vento, a maior força da natureza, que derruba os homens, abate os edifícios, desenraíza as árvores, subleva o mar em montanhas d´água que fazem aluir as fragas de granito. 

Que há de espantoso em que não se veja um corpo novo, ao qual falta sem dúvida tão-só a propriedade de deter os raios luminosos? 

Os senhores percebem a eletricidade? No entanto ela existe!

Esse ser, a quem chamei o Horla, também existe."


(Guy de Maupassant, O Horla, 1887. Tradução: José Paulo Paes)