(Manuelzão, Personagem de Guimarães Rosa, 1995, Márcio Scavone)
“Por si, ele
nunca dera uma festa. Talvez mesmo nunca tivesse apreciado uma festa completa.
Manuelzão, em sua vida, nunca tinha parado, não tinha descansado os gênios,
seguira um movimento só. Ele Manuelzão nunca respirara de lado, nunca refugara
de sua obrigação. Todo prazer era vergonhoso, na mocidade de seu tempo. Não
queria que o patrão e os outros pensassem que ele estava gozando a vida. Tinha
vergonha de saberem que estava lá, em sua casa, em lùademéis, casado por um
divertimento.
Agora, ei, esperava alguma coisa. Agora, o que se estabelecia era a
festa. Uma festa terrível. Até para fazer festa, a gente carece de estar
acostumado.
Mundo grande! Mas, ainda muito
maior, quando a gente podia estar em sua casa, e os outros vinham, empoeirados
de sete maneiras, por estradas sertanias – e pediam um café, um gole d´água.
Cada um tinha visto muita coisa, e só contava o que valesse. Ao depois, nos
acabados, essa gentama se espalhava, indo-se embora. Uma festa é que devia de
durar sempre sem-fim; mas o que há, de rente, de todo dia, é o trabalho.
Trabalhar é se juntar com as coisas, se separar das pessôas. Boiada! Mas só
para se raciocinar depois da festa.
Alegria, sim. Todos deviam de tomar
divertimento. Manuelzão não sabia, nunca em sua vida tinha dansado. A festa era
o a-esmo, um acontecido de muitos, os espaços, uma coisa que não se podia
pegar. Assim correndo bem. Todo o mundo se associava ali, estavam gostando,
pelo esperado. Mas, para Manuelzão, a festa como que se desmanchava desde as
cabeceiras, alguma coisa, muito miúda, devia de estar faltando.
‘Seo Manuelzão, quem hoje está no Céu eu sei quem é: senhora sua mãe, que
haverá de estar contente...’
Solta, a festa não era entendida dele Manuelzão, não correspondia às
alças. Será que a vida da gente assenta bem com festa? A música, o inteirado da
música, às vezes cativava: bonito como dinheiro... A música derretia o demorado
das realidades. A música repartia as tristezas por todos, cada um seu quinhão.
Mas dava receio. Assim a música amolecia a sustância de um homem para as lidas.
Talvez ela merecesse para se ouvir de noite, em cama deitado – quando as coisas
da vida, um pouco da feiúra do corriqueiro, se descascavam, e o pensamento da
gente tinha mais licença. Agora, agora, porém, a festa era bobagem: a festa era
impossível... A festa não existia.
Descansadamente, de um certo modo, a festa era coisa que molestava.
Também, não se arma festa todo dia. Manuelzão saía de lá, queria estar mais
simplificado. Mas, debaixo de tão curtas horas, e sentia que estava caído de
alturas – das alturas da festa. Tudo era diferente do que devia de ser. Mesmo
enquanto se festava, a gente carecia de sofrer o ramêrro dos usos, o mau sempre
da vida: uns adoeciam com moléstias, outros se entristeciam, alguém tinha de
cuidar das necessidades de todos, rompe reinavam as maçadas, e a gente tinha de
precatar os perigos do amanhã, que subia armado contra os fundamentos de hoje.
Os outros aceitavam o misturado disso, entravam nús na festa, feito fossem
meninos. Mas, ele, Manuelzão, não. Não conseguia. Para ele, o apreciável das
coisas tinha de ser honesto limpo, estreito apartado: ou uma festa completa, só
festa, todamente – ou mas então a lida dura, esticada, sem distração, sem
descuido nenhum, sem mixórdia! Mais uns enganos. Homem, não suspirava. Mesmo,
competia de demonstrar cara satisfeita, não dessem de reparar e falar,
desfazendo em sua bôa fama. Por pouco, quem sabe até iam dizer: – Festa de
Manuelzão, todos divertem, ele não... Não queria. A festa não é pra se consumir
– mas para depois se lembrar... Até para fazer festa, a gente carece de estar
acostumado.
‘Então, está apreciando, que tais?’
‘Ah, seo Manuelzão, eu acho que devia de ser é uma festa só, os dias
todos... Manuelzão, sua festa é bôa!’
[Remix literário feito a partir da novela "Uma estória de amor (Festa de Manuelzão)", de João Guimarães Rosa, em ocasião do meu aniversário de 32 anos.]