terça-feira, 24 de agosto de 2021

Meus mortos vivem juntinhos de mim

 

(Antonio Bueno)


“Nós absorvemos o morto, nós nos nutrimos dele, fica sendo corpo e alma da gente. Não foi assim com Durval, seu pai? Com sua mãe, Zazita? Eles estão escondidinhos no mais recôndito de você, brincam nos seus atos, sorriem no seu sorriso. Eles são você, Lygia. Quem disse que há morte, se o que há é criação contínua, modelagem contínua da vida, que recebemos e que passamos adiante? Meus mortos vivem juntinhos de mim. Sem me perturbarem, conservam uma discrição, uma polidez, uma cumplicidade boa que me ajuda a viver. É isso, ajudam a gente a viver. Nem preciso de doutrinas espiritualistas para senti-lo. É tão evidente que considero meus mortos muito mais vivos e reais do que tanta gente por aí com quem cruzo na rua.”


(Carlos Drummond de Andrade, 
em carta a Lygia Fagundes Telles de setembro de 1977, 
em ocasião da morte do marido dela, Paulo Emílio Sales Gomes. 
A pintura é “Natura morta con iris”, de Antonio Bueno, 1948.)

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