quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Ventiladores

 


Que alegria pode vir disto?

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Na minha cidade quente, o único ar-condicionado público foi, durante muito tempo, o do Banco do Brasil. Uma enorme sensação de prazer e o desejo de dormir ali dentro, quando minha mãe, após o trabalho, me levava ao banco como uma espécie de passeio. Ela ficava resolvendo suas coisas adultas no caixa eletrônico, e eu ora ficava-lhe observando, admirando a sua destreza em apertar as teclas certas, em digitar sem erro sua senha numa tela cheia de sílabas, em pedir dinheiro e a máquina dar-lhe, minha mãe era uma instituição poderosa; ora eu ficava zanzando por aquele ambiente gélido, piso branco, luz branca, outra espécie de deserto. Antes de pisarmos fora, o lamento: encarar de novo aquele ar quente. Nossa vida que evapora.

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Nas últimas semanas, o capitalismo mais uma vez se alegrou com a crise climática: aumentou o preço do ar.

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Ontem eu também fui comprar alguma medida provisória: no Carrefour, a seção de ventilador, a mais disputada. Perdidos, olhávamos para as possibilidades, qual, dentre todas as caixas? Ninguém sabia comprar. Alguns tiravam dúvidas com outras pessoas pelo celular, outros, como eu, apenas examinavam as caixas, esperando vir delas alguma resposta. Como chegamos aqui, a este ponto da história? Assim, disseram as caixas.


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(Pintura:"A Guerra dos Kanaímés 10", Jaider Esbell).

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