quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Respondendo a uma pesquisa, Pablo Neruda

Você se pergunta o que se passará com a poesia no ano 2000. É uma pergunta embaraçosa. Se esta pergunta me surgisse num beco escuro, de improviso, eu levaria um susto que Deus nosso Senhor me acuda.
Porque, que sei eu do ano 2000? E sobretudo, que sei da poesia?
Do que estou certo é de que não se celebrará o funeral da poesia nesse próximo século.
Em todas as épocas a poesia foi dada como morta, ela porém se tem mostrado centrífuga e sempiterna, se tem mostrado vitalícia, ressuscita com grande intensidade, parece ser eterna. Com Dante pareceu que terminava. Porém pouco depois Jorge Manrique lançava uma centelha, espécie de sputnik, que prosseguiu cintilando nas trevas. E logo Victor Hugo parecia arrasar, não ficava nada para os demais. Então o senhor Charles Baudelaire apresentou-se corretamente trajado de dândi, seguido do jovem Arthur Rimbaud, trajado de vagabundo, e a poesia começou de novo. Depois de Walt Whitman, que esperança!, já ficaram plantadas todas as folhas de relva, não se podia pisar no relvado. Não obstante, veio Maiakovski e a poesia parecia uma casa de máquinas: deram-se assobios, disparos, suspiros e soluços, ruído de trens e de carros blindados. E assim prossegue a história.

É claro que os inimigos da poesia sempre pretenderam assestar-lhe uma pedrada num olho ou um golpe de garrote na nuca. Fizeram-no de diversos modos, como marechais individuais, inimigos da luz, ou regimentos burocráticos que marcharam com passo de ganso contra os poetas. Conseguiram a desesperação de alguns, a decepção de outros, as tristes retificações dos menos. Mas a poesia continuou a  brotar como uma fonte ou a manar como uma ferida, ou a construir com o braço partido, ou a cantar no deserto, ou a levantar-se como uma árvore, ou a transbordar como um rio, ou a estrelar-se como a noite nas mesetas da Bolívia.
A poesia acompanhou os agonizantes e estancou as dores, conduziu às vitórias, acompanhou os solitários, foi queimante como o fogo, leve e fresca como a neve, teve mãos, dedos e punhos, teve brotos como a primavera, teve olhos como a cidade de Granada, foi mais veloz do que os projéteis dirigidos, foi mais forte do que as fortalezas: deitou raízes no coração do homem.
Não é provável que, começando o ano 2000, os poetas encabecem uma sublevação mundial para que se reparta a poesia. A poesia se repartirá como consequência do progresso humano, do desenvolvimento e do acesso dos povos ao livro e à cultura. Não é provável que os poetas cheguem a opinar ou a governar, embora alguns deles o estejam fazendo, alguns muito mal e outros menos mal. Mas os poetas serão sempre bons conselheiros e cuidado com deixar de ouvi-los. Muitas vezes os governantes têm comunicações públicas com seus povos. A poesia tem comunicação secreta com os sofrimentos do homem. Há que ouvir os poetas. É uma lição da história.

É provável que no ano 2000 o poeta mais novidadeiro, mais na moda em toda parte, seja um poeta grego que agora ninguém lê e que se chamou Homero.
Eu estou de acordo e com este objetivo vou começar a lê-lo novamente. Vou procurar sua influência, brande e heroica, suas maldições e profecias, sua mitologia de mármore e seus bordões de cego.
Preparando o novo século, tratarei de escrever à maneira de Homero. Não me ficará mal um estilo tão fabuloso e tão encharcado do mar ilustre.
Logo sairei com algumas bandeiras de Ulisses, rei de Ítaca, pelas ruas. E como os  gregos já terão saído de seus presídios, acompanhar-me-ão também para dar as normas do novo estilo do século XXI.


(texto retirado da obra Para nascer nasci, de Pablo Neruda, organizada postumamente por Matilde Neruda e Miguel Otero Silva, 1977)

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