quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Quer me animar, Lúcio?


“Minha impaciência chega a ser tão grande que às vezes me dói. Assim não tenho gostado verdadeiramente da Itália, como não poderia gostar verdadeiramente de nenhum lugar; sinto que há entre mim e tudo uma coisa, como se eu fosse daquelas pessoas que têm os olhos cobertos por uma camada branca. Sinto horrivelmente ter que dizer que esse véu é exatamente minha vontade de trabalhar e de ver demais. Um dia desses pensei com tristeza de como é genial a tortura da mediocridade… Sinto tanto, tanto ser tão fraca. Gostaria de tal, de tal forma poder trabalhar sem parar. Mas não consigo, as coisas me vêm esparsas – e além disso eu de tal modo desconfio de mim, com medo de escrever facilmente com a ponta dos dedos, que nada faço. Quer me animar, Lúcio? Não que eu mereça ser animada, mas mereço como qualquer pessoa ter os pés em cima da terra. Eu queria fazer uma história cheia de todos os instantes, mas isso sufocava o próprio personagem. Acho mesmo que meu mal é querer ter todos os instantes. Que eu estou idiota, você não precisa dizer, sei bem...”


(Trecho de carta enviada a Lúcio Cardoso por Clarice Lispector. Correspondências – Clarice Lispector. Organização: Tereza Montero, 2002. Ed. Rocco: Rio de Janeiro.) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário