quarta-feira, 9 de dezembro de 2015


“Já pensei até em me matar. Nos últimos anos, quando a solidão me deixava bem esbugalhado e os dias se repetiam a ponto de eu pensar que entrara sem perceber numa câmara de torturas, sim, nesses dias pensei em me matar. Só não queria incomodar ninguém com o estorvo do meu corpo. Eu tinha de descobrir um jeito de acabar comigo deixando o meu corpo para sempre escondido dos demais. Em noites desses períodos era comum passar diante do meu corpo na guarda do paiol um vulto imponente, meio azulado, que ao passar costumava parar um pouco e se inclinar de leve como para me reverenciar igual à coreografia corriqueira dos chineses, e eu gostava de imaginar que aquele era o ser que eu seria dali a algum tempo, um vulto meio bizarro pela madrugada a intimidar sem muito efeito os entes que ficassem acordados como eu por tantos anos.”


(João Gilberto Noll, A céu aberto, 1996, Companhia das Letras)

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