terça-feira, 15 de março de 2016

a naturalização do horror


“Em consideração pelos pais, durante o dia ele não queria mostrar-se à janela; mas nos poucos metros quadrados do chão também não podia se arrastar muito; já durante a noite suportava mal ficar deitado quieto; a comida logo não lhe oferecia o menor prazer; e assim, para se distrair, ele adotou o hábito de ziguezaguear pelas paredes e pelo teto. Gostava particularmente de ficar pendurado no teto; era muito diferente de permanecer deitado no chão; respirava-se com mais liberdade; uma ligeira vibração atravessava o corpo; e, na distração quase feliz em que Gregor lá se encontrava, podia acontecer que, para sua própria surpresa, ele se soltasse e estatelasse no chão. Naturalmente tinha agora sobre o corpo um poder muito diverso do que antes e mesmo com uma queda tão grande como essa não infligia danos a si mesmo. A irmã notou logo a nova diversão que Gregor havia descoberto – ao rastejar ele deixava aqui e ali vestígios da sua substância adesiva – e então ela pôs na cabeça que devia dar a Gregor a possibilidade de rastejar na extensão máxima do quarto, retirando os móveis que o obstavam, sobretudo o armário e a escrivaninha.”


(Franz Kafka, A metamorfose, 1915, Ed. Brasiliense)

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