quinta-feira, 4 de maio de 2023

O mundo invisível

(René Magritte, Le Monde invisible, 1954)


"Mas nosso olho, senhores, é um órgão de tal modo elementar que mal consegue enxergar o que nos é indispensável à existência. Aquilo que é pequeno demais lhe escapa; escapa-lhe o que é muito grande, assim como o que lhe está muito distante. Ele ignora os milhares de animálculos que vivem numa gota d´água. Ele ignora os habitantes, as plantas e o sol das estrelas vizinhas; ele não vê sequer o que é transparente. 

Coloquem diante dele um vidro sem jaça, perfeito, ele não o distinguirá e nos atirará contra o vidro, como um pássaro preso dentro de casa quebra a cabeça contra as vidraças. Ele não enxerga, pois, os corpos sólidos e transparentes que, no entanto, existem; ele não vê o ar de que nos nutrimos, não vê o vento, a maior força da natureza, que derruba os homens, abate os edifícios, desenraíza as árvores, subleva o mar em montanhas d´água que fazem aluir as fragas de granito. 

Que há de espantoso em que não se veja um corpo novo, ao qual falta sem dúvida tão-só a propriedade de deter os raios luminosos? 

Os senhores percebem a eletricidade? No entanto ela existe!

Esse ser, a quem chamei o Horla, também existe."


(Guy de Maupassant, O Horla, 1887. Tradução: José Paulo Paes)

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